Infectologista e cientista político analisam que campanhas precisam ser fiscalizadas, mas atentam para politização da pauta e dificuldade na implementação das atividades partidárias
A campanha eleitoral municipal começou no dia 27 de setembro. De lá para cá, passaram-se duas semanas, mas só ontem (9) a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) publicou um protocolo sanitário a fim de indicar como candidatos e eleitores devem se portar durante esse período. O documento foi lançado em atenção às medidas de combate à pandemia da Covid-19 e após denúncias de aglomerações promovidas por candidaturas políticas.
Especialistas ouvidos pela reportagem do Sistema Verdes Mares analisaram positivamente o texto, mas ponderam que é de difícil aplicação.
No geral, as restrições seguem às delimitações já apontadas pelos decretos do Governo do Estado, como restrição a mais de 100 pessoas em eventos fechados e a mais de 200 em eventos abertos, além da necessidade de seguir o distanciamento mínimo de 1,5 metro, disponibilização de álcool em gel e aferição de temperatura. De forma específica, o protocolo sugere que não haja toque, beijos ou abraços entre candidatos e eleitores, por exemplo, bem como pede que não sejam distribuídos materiais impressos.
Para o cientista político Roberto Siebra, será difícil cumprir o documento por causa de dois fatores que estão presentes no período.
“Uma é que os candidatos e seus partidários se envolvem de forma emocional. Outra é a questão de ordem legal, pois há uma característica no Brasil de não respeitar a lei em função da impunidade que existe”, aponta ele.
Na visão do cientista político, é necessário que a Secretaria da Saúde faça sua parte no tocante à fiscalização, pois, conforme Roberto Siebra, “se, de início, as autoridades tomarem uma medida radical, pode ser que a gente tenha algum efeito. Se não, esse protocolo vai ser desrespeitado como vem sendo desrespeitado nas outras dimensões”.
Operacionalização
Na visão da infectologista Mônica Façanha, a norma segue recomendações já adiantadas pela própria Secretaria, mas a dificuldade será a efetivação dele pelos próprios candidatos. “Essa vai ser a grande dificuldade. Minha única dúvida é como operacionalizar isso num comício, determinar os cantos, num lugar aberto. Eu acho que é muito difícil. Não sei como é que o candidato vai conseguir fazer isso”, destaca. De acordo com a infectologista, se esses protocolos forem seguidos, ocorrerá uma mudança de paradigma nessa campanha eleitoral. “Vai ser uma coisa muito diferente do que normalmente acontece. É muito difícil imaginar candidato ter que manter 1,5 m de distância do seu eleitor”, completa a pesquisadora.
Mônica Façanha pondera que, se isso não for seguido, quem mais perde é o próprio candidato, que estará em contato direto com eleitores que podem vir a estar infectados.
“Se mantém uma distância e a pessoa não consegue chegar, não vai ter aumento na transmissão, assim, não vai infectar o candidato nem o eleitor”, explica a especialista.
O cientista político Roberto Siebra vai na mesma linha e diz que, caso não haja maior cuidado, “os próprios candidatos envolvidos é que vão pagar caro”, como a ausência nas campanhas e a própria contaminação pelo vírus.
Fiscalização e multas
Segundo a Sesa, a fiscalização de eventos, que já está acontecendo no âmbito estadual com o apoio dos agentes de segurança, deverá continuar e poderá até a autuar as coligações que promoverem aglomerações e medidas antissanitárias. A princípio, os agentes deverão solicitar a adequação às normas e, caso não seja respeitado o distanciamento e o uso de máscaras, por exemplo, poderão aplicar multa.
“Tem sido muito grande o número de denúncias que têm chegado à Secretaria da Saúde através da nossa ouvidoria. Nós estamos no firme propósito de investigar e constatar a veracidade ou não das referidas denúncias”, afirmou a coordenadora da Vigilância Sanitária da Sesa, Dolores Fernandes. Segundo ela, “é necessário que haja uma consciência sanitária dos nossos candidatos para contribuir no sentido de que seja evitada a propagação da Covid-19”.
O cientista político Roberto Siebra ainda aventa a possibilidade de uma politização das medidas sanitárias implementadas, uma vez que pode ser argumentado pelos candidatos que esteja havendo perseguição política.
Ele lembra que, durante a pandemia, houve politização de medicamentos, como a cloroquina, e ações sanitárias utilizadas em todo o mundo, como o isolamento social.
Segundo ele, não é difícil de se imaginar que essas discussões acabem influenciando as eleições municipais. “A Covid passou de uma questão médica, técnica e científica para uma questão política. Em determinados lugares, isso vai ser utilizado como arma política de A para B”, conclui.
Medidas
As sugestões apontadas pela Secretaria da Saúde surgem em um contexto no qual são registradas aglomerações promovidas em atos de campanha nas ruas ou em comitês. Embora não haja uma contabilização oficial de casos da infecção promovidos por meio desses encontros, a Pasta demonstra preocupação com os eventos, já que os números possivelmente podem voltar a subir.
“Fica aqui o nosso apelo para que sigam todas as medidas sanitárias necessárias, principalmente o uso da máscara, o distanciamento, a higienização das mãos com álcool em gel, evitar eventos que gerem aglomeração e evitar também contato físico com a população”, finaliza Dolores Fernandes.
24 cidades não terão eventos
Até a noite de ontem (9), o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) já contabilizava, pelo menos, 24 municípios cearenses que não terão eventos de campanha. O número representa apenas 13% do total de cidades do Estado. Os acordos foram firmados pela Justiça Eleitoral e representantes de partidos políticos, visando a garantia da segurança sanitária. Candidatos de municípios como Crato, Milagres, Acaraú, Jijoca de Jericoacoara e Crateús já definiram que seguirão o entendimento e não proporão eventos que provoquem aglomerações. Os postulantes aos cargos, que se dispuseram junto à Justiça Eleitoral, caso infrinjam o código determinado, poderão ser responsabilizados civil, criminal e administrativamente. Em Pentecoste, Apuiarés e General Sampaio, por exemplo, fogos de artifício também estão proibidos.
Diário do Nordeste