Cinco dias no mais extremo desconforto: é o mínimo que se pode dizer do período em que Júlia*, de 29 anos, e a mãe, Lúcia*, de 61 anos, ficaram internadas no Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM), o Hospital do Coração, como é chamado, em Fortaleza. Elas chegaram ao local na sexta-feira (11), quando a mãe passava mal com um quadro de tontura. Era insuficiência renal.
De lá até quarta-feira (16), Lúcia recebeu atendimento acomodada em uma cadeira de plástico na recepção ao lado da emergência. O máximo de conforto para os pacientes no local era outra cadeira de plástico para apoiar as pernas de quem não conseguia deitar-se no chão.
As imagens feitas com o celular de Júlia mostram a situação precária de atendimento. Há colchonetes e lençóis estirados no chão, onde tentam descansar acompanhantes e pacientes. Há garrafas d’água no chão e produtos supostamente de higiene pessoal encostados na parede, no chão. Ao Tribuna do Ceará, a filha relatou o sofrimento no terceiro dia de internamento.
“Desde sexta-feira, a gente deu entrada por crises de tontura (da mãe). Exames indicaram problemas nos rins. Sexta, eles disseram que não havia leito, e a gente teria que ficar nas cadeiras. A minha mãe está com os pés inchados, é depressiva, não anda direito, é hipertensa, tem insuficiência cardíaca. Eu, pra dormir, boto lençol e deito no chão, mas tenho 29 anos. Ela não consegue (deitar-se no chão) e dorme na cadeira. O apoio que eles dão é outra cadeira para colocar os pés”, relatou a jovem.
Júlia e a mãe não são as únicas a reclamar. No entanto, por medo de terem o atendimento prejudicado no hospital, muitos se calam. Na medida do possível, há suporte médico, o apelo é por reduzir o sofrimento físico de quem já está debilitado.
“Ela entrou com bastante tontura, sem a gente saber a causa, estava com pressão alta. Aqui foi descoberto (o problema de saúde), ela já fez ecocardiograma, dois exames de sangue… Estou tento uma assistência médica, ela está sendo acompanhada pelo nefrologista. O desumano são os pacientes estarem sendo atendidos em cadeira, as pessoas tomam soro sentadas”, diz a filha.
Mãe e filha precisaram comprar medicamentos que estavam em falta no hospital, Júlia também relata que viu pacientes deixarem de tomar aerosol porque faltou máscara, elementos básicos de uma unidade de saúde.
“Pedi que a transferissem para outro hospital que tivesse uma cama. Eu, por mim, posso dormir no chão, eu tô bem de saúde, mas a minha mãe, não. É humilhante, é desesperador”, desabafa a jovem há quase 80 horas vendo a mãe sem poder deitar-se.
Banheiro
No último dia de internação, antes de conseguirem a transferência para outro hospital, Júlia contou sobre a rotina em relação à higiene pessoal. “Perto da recepção há apenas um banheiro. Não é possível tomar banho nele, apenas fazer as necessidades básicas”, conta Júlia. “Como muita gente usa, tem hora que você tem vontade de ir (ao banheiro), mas acaba segurando”, afirma. Para tomar banho, é preciso andar um pouco com o paciente até uma enfermaria onde haja chuveiro.
Pelo menos há garantia de refeições – disso Júlia não se queixa, mas critica a ausência de assistente social, profissional que viu apenas uma vez nos cinco dias em que ficou internada com a mãe, diz.
Dos médicos que atendiam os pacientes, Júlia reproduz o que ouvia: “A gente sabe que é desumano, que é impossível atender vocês aqui”, relata o discurso de um médico. “Teve um cardiologista que disse: ‘Estou atendendo, mas tendo que esquecer que a senhora está nessa cadeira’”, conta.
Em nota, o Hospital do Coração ressalta ser referência no diagnóstico e tratamento de doenças cardíacas e pulmonares e afirma que tem garantido atendimento a todos os pacientes. Não há menção direta ao atendimento feito em cadeiras de plásticos, mas o Hospital, através da assessoria de imprensa, afirma que estão previstas obras de ampliação para o mês de setembro.
Mudanças
Em abril, Júlia já havia sido atendida com a mãe no Hospital do Coração, quando Lúcia precisou fazer um cateterismo. “Onde a gente está sentada atualmente, havia gente internada nas macas, mas foi dito que não podiam colocar macas agora porque foi inaugurada ala com novos leitos”, afirma.
Segundo Júlia, até a sala de medicação, cujo atendimento é dinâmico, tinha pacientes internados atualmente. Quem estava sentado nas cadeiras de plásticos, sonhava com, pelo menos, uma transferência para a sala de medicação, onde havia cadeiras acolchoadas, relata.
Confira a nota completa do Hospital
“O Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart, da rede pública do Governo do Ceará, é referência no diagnóstico e tratamento de doenças cardíacas e pulmonares e vem garantindo o atendimento a todos os pacientes. No setor da Emergência são atendidos em média 10 mil pacientes por mês. De janeiro a julho deste ano, já foram realizadas 6.575 cirurgias no hospital, que atende a pacientes dos 184 municípios do Ceará e de outros estados das regiões Norte e Nordeste do país.
Em maio deste ano, o setor da Emergência foi ampliado com a instalação do Posto 3. Com essa aquisição, o setor passou de 82 para 130 leitos disponíveis. O Posto 3 do hospital, está acolhendo, principalmente, pacientes cardiopatas e com deficiências pulmonares – áreas de referência do Hospital do Coração, como é popularmente conhecido. Para ampliar ainda mais o atendimento, está programada outra ampliação para o setor da Emergência, o Posto 4, com mais 48 leitos. O início das obras do Governo do Ceará está previsto para o próximo mês de setembro”.
* O nome das fontes foi mantido em sigilo, a pedido das denunciantes.
Informações Tribuna do Ceara