Há um mês, o presidente Lula estabeleceu um prazo de 30 dias para que a Controladoria-Geral da União (CGU) examinasse os sigilos indevidos. CGU propôs referências a serem seguidas
Uma das marcas da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi o aumento de negativas a pedidos de acesso à informação. Inúmeros documentos de interesse público foram colocados de forma irrestrita sob sigilo. Por uma brecha na Lei de Acesso à Informação (LAI), chegou a ser cogitado que os dados ficariam em segredo por até 100 anos. Ao assumir, Lula prometeu rever os casos. Nesta sexta-feira (3), o Governo anunciou novas orientações sobre a divulgação de dados públicos. É o fim do ‘sigilo de 100 anos?’
Na prática, ao acionar o chamado “sigilo de 100 anos”, a gestão passada, via decisões administrativas, utilizou um mecanismo da própria LAI – o Artigo 31 – e orientou distintos órgãos a não disponibilizarem informações sob o argumento de serem privadas, mesmo que na realidade elas sejam de interesse público.
No trabalho de revisão dos sigilos, diz a CGU, foram analisados 168 casos emblemáticos nos quais o órgão chegou a ser acionado devido às negativas de informação nos últimos 4 anos. As conclusões do levantamento estão consolidadas em um parecer técnico.
Outros 234 casos de sigilo impostos por Bolsonaro serão analisados pela CGU e podem ser revistos. Destes:
- 111 são referentes a segurança nacional;
- 35 são relativos à segurança do presidente da República e seus familiares;
- 49 envolvem informações pessoais;
- 16 são sobre atividades de inteligência;
- Outros 23 sobre assuntos diversos.
Dentre esses sigilos estão: a visita dos filhos de Bolsonaro ao Palácio do Planalto; os telegramas do Itamaraty; os gastos do governo anterior com “motociatas” e as informações sobre o cachê pago a artistas.
A CGU também elaborou orientações sobre 12 situações concretas indicando o procedimento que deve ser seguido caso essas situações sejam objeto de pedidos de acesso à informação. Na prática, a CGU estabelece como os ministérios, secretarias, autarquias e demais órgãos públicos da esfera federal devem responder quando demandadas pela sociedade.
CONFIRA AS SITUAÇÕES E AS ORIENTAÇÕES PARA DIVULGAÇÃO OU NÃO DAS INFORMAÇÕES PÚBLICAS
1. REGISTROS DE ENTRADA E SAÍDA DE PRÉDIOS PÚBLICOS
A CGU diz que os registros de entrada e saída de pessoas em órgãos públicos, inclusive no Palácio do Planalto, são passíveis de acesso público, logo, podem ser divulgados.
Exceção: Quando agendas sobre as quais eles se refiram forem classificadas por se enquadrarem legalmente em sigilo ou estiverem sob restrição temporária de acesso.
2. REGISTROS DE ENTRADA E SAÍDA DE RESIDÊNCIAS OFICIAIS
No caso dos registros de entrada e saída de pessoas em residências oficiais do Presidente e do Vice-presidente da República, a orientação é que são informações que devem ser protegidas. Isso porque, segundo a CGU, revelam aspectos da intimidade e vida privada das autoridades públicas e de seus familiares.
Exceção: Quando tais registros disserem respeito a agendas oficiais ou se referirem a agentes privados que estejam representando interesses junto à Administração Pública.
3. PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES DE MILITARES
No caso dos pedidos de acesso a processos administrativos disciplinares conduzidos no âmbito das Forças Armadas, a orientação da CGU é que sejam aplicadas as mesmas regras referentes aos servidores civis.
Assim, os processos administrativos disciplinares de militares são passíveis de acesso público quando concluídos, sem prejuízo da proteção das informações pessoais sensíveis e legalmente sigilosas.
4. SEGURANÇA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA E FAMILIARES
No mandato presidencial, a classificação de informações (imposição de sigilo de forma legal) deve se restringir aos dados que, a divulgação ou o acesso irrestrito pode pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais, estrangeiras e seus familiares.
5. SIGILO DE LICITAÇÕES, CONTRATOS E GASTOS GOVERNAMENTAIS
Informações sobre licitações, contratos e gastos governamentais, inclusive as que dizem respeito a processos conduzidos pelas Forças Armadas e pelos órgãos de polícia e de inteligência, em regra, são públicas e a eventual restrição de acesso somente pode ser imposta quando o objeto a que se referem estritamente se enquadrar em uma das hipóteses legais de sigilo.
6. ABERTURA DE INFORMAÇÕES DESCLASSIFICADAS
Passado o prazo da classificação da informação (ultrassecreta: 25 anos; secreta: 15 anos; e reservada: 5 anos) ela torna-se automaticamente de acesso público.
O órgão deve registrar a desclassificação no rol de informações classificadas e a divulgação sobre essas mudanças deve ser publicada obrigatoriamente na internet.
7. TÍTULOS ACADÊMICOS E CURRÍCULOS DE AGENTES PÚBLICOS
Informações sobre currículos de agentes públicos, como títulos, experiência acadêmica e experiência profissional, são passíveis de acesso público. Isso porque, segundo a CGU, são utilizadas para a avaliação da capacidade, aptidão e conhecimento técnico para o exercício de cargos e funções públicas.
8. PROVAS E CONCURSOS PÚBLICOS
A divulgação de documentos e informações relacionados a candidatos aprovados em seleções para o provimento de cargos públicos, inclusive provas orais, são passíveis de acesso público.
9. TELEGRAMAS, DESPACHOS E AS CIRCULARES DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
Os telegramas, despachos e circulares telegráficas produzidos pelo Ministério das Relações Exteriores são documentos que, orienta a CGU, “devem ter seu acesso restringido somente quando o objeto a que se refere estritamente se enquadrar em uma das hipóteses legais de sigilo”.
A CGU diz ainda que a proteção das negociações e das relações diplomáticas do Brasil não pode ser utilizada como fundamento geral e abstrato para se negar acesso a pedidos de informação.
Do mesmo modo, completa o órgão, a presença de informações pessoais no documento ou processo não pode ser utilizada como argumento para a negativa de acesso, já que tais dados podem ser tratadas para que, devidamente protegidos, o restante do documento ou processo seja fornecido.
10. INFORMAÇÕES FINANCEIRAS A RESPEITO DE PROGRAMAS E BENEFÍCIOS SOCIAIS
Informações sobre valores de benefícios pagos e identificação de beneficiários de programas sociais são de acesso público.
Ressalva: casos em que a identificação dos beneficiários possa expor informação pessoal sensível.
11. RESTRIÇÕES DE ACESSO EM VIRTUDE DA DESARRAZOABILIDADE DO PEDIDO
Pedidos de acesso à informação somente podem ser negados sob o fundamento de “desarrazoabilidade”, segundo a CGU, caso o órgão ou entidade pública demonstre haver risco concreto associado à divulgação da informação, não podendo o argumento ser utilizado como fundamento geral e abstrato.
No caso de “desproporcionalidade”, orienta o órgão, o pedido só pode ser negado se o órgão evidenciar não possuir os recursos, humanos ou tecnológicos, para atender ao pedido, não podendo o argumento ser utilizado como fundamento geral e abstrato.
12. INFORMAÇÃO PESSOAL
O fundamento “informações pessoais”, define a CGU, não pode ser utilizado de forma geral e abstrata para se negar pedidos de acesso a documentos ou processos que contenham dados pessoais.
A orientação é que os documentos sejam sejam tratados (tarjados, excluídos, omitidos, descaracterizados, etc) para garantir a proteção e o restante dos documentos ou processos solicitados sejam fornecidos.
Outro ponto é que, a proteção de dados pessoais deve ser compatibilizada com a garantia do direito de acesso à informação. Logo, a proteção pode ser flexibilizada quando, no caso concreto, quando o interesse público geral e preponderante se impuser.
FIM DO ‘SIGILO DE 100 ANOS?’
Esse último ponto, sobre a divulgação das informações pessoais, incide diretamente sobre o chamado “sigilo de 100 anos”, que, na verdade, é uma espécie de “brecha” prevista no artigo 31, que versa sobre informações de caráter íntimo e privado.
Para ocultar algumas informações a gestão de Bolsonaro se valeu deste artigo, cujo um dos itens prevê a possibilidade de estabelecer sigilo quando a divulgação dos dados, mesmo sendo de interesse público, “viola a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de uma pessoa”.
A nova orientação para tarjar os documentos protegendo as informações pessoais e disponibilizar o restante, em tese, acaba com a justificativa usada constantemente na gestão anterior, logo, acaba com o potencial desse ponto específico da LAI ser acionado.
DN