O esquema foi revelado nesta terça-feira (19) pela Polícia Federal
O plano de atentado contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), arquitetado por integrantes da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), enquanto ainda estavam à frente do Governo, em 2022, previa mortes por envenenamento ou “uso de químicos para causar um colapso orgânico”.
O esquema foi revelado nesta terça-feira (19) pela Polícia Federal, na deflagração da Operação Contragolpe.
Segundo a corporação, a ideia dos suspeitos, que se utilizaram de “elevado nível de conhecimento técnico-militar”, era planejar, coordenar e executar crimes entre novembro e dezembro de 2022, logo após a chapa encabeçada por Lula vencer as eleições gerais e desbancar a candidatura de Bolsonaro à reeleição.
Os investigados na operação são, em sua maioria, militares com formação em Forças Especiais. Além disso, a PF descobriu que havia um plano operacional detalhado, chamado “Punhal Verde e Amarelo“, previsto para ser executado no dia 15 de dezembro daquele ano, específico para executar o presidente e o vice eleitos.
Também estava nos planos dos militares executar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), caso o golpe de Estado fosse consumado.
Os fatos investigados nesta fase da operação configuram, em tese, os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
Veja o que se sabe até então sobre o plano de atentado contra Lula e Alckmin
Envenenamento e explosivos
O método de morte por envenenamento em evento oficial público foi um dos cogitados pelo grupo para assassinar não só o presidente Lula como, também, Moraes.
No entanto, no documento apreendido pela Polícia, foi descoberto que também reservaram para o ministro do STF a possibilidade de uso de artefatos mais pesados, como, por exemplo, explosivos. Os militares consideraram, ainda, utilizar armamentos de guerra como pistolas, fuzis, metralhadoras, lança granada e lança rojão.
Já para Lula, além do envenenamento, a ideia era aproveitar a vulnerabilidade de saúde do presidente e as idas frequentes dele a hospitais para matá-lo com uso de produtos químicos.
Presos na operação
Foram presas cinco pessoas na Operação Contragolpe, até então: o policial federal Wladimir Matos Soares e quatro militares das Forças Especiais do Exército, os chamados “kids pretos“: o general de brigada Mario Fernandes (na reserva), o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, o major Rodrigo Bezerra Azevedo e o major Rafael Martins de Oliveira.
O grupo é investigado por planejar um golpe de Estado para impedir a posse da chapa eleita em 2022 e “restringir o livre exercício do Poder Judiciário”.
Veja detalhes dos presos:
- Hélio Ferreira Lima: ex-comandante da 3ª Companhia de Forças Especiais em Manaus, foi destituído do cargo em fevereiro deste ano, durante as investigações sobre os planos antidemocráticos relacionados ao ex-presidente Bolsonaro. Ele é integrante do grupo de elite do Exército e é especializado em missões sigilosas de alto risco;
- Mário Fernandes: general reformado, foi assessor do deputado Eduardo Pazuello (PL-RJ) e ministro interino da Secretaria-Geral da Presidência da República na gestão de Bolsonaro. Entre 2023 e 2024, assumiu cargo na liderança do PL na Câmara dos Deputados, como assessor de Pazuello, com salário de R$ 15,6 mil;
- Rafael Martins de Oliveira: major das Forças Especiais, acusado de negociar com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o financiamento de R$ 100 mil para levar manifestantes a Brasília, no ano passado, como parte de um plano de golpe de Estado;
- Rodrigo Bezerra Azevedo: militar altamente qualificado, doutorando em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, possui especializações em operações de guerra não convencional. Tem, também, expertise acadêmica em terrorismo e relações internacionais;
- Wladimir Matos Soares: policial federal, acusado de integrar plano para executar um golpe de Estado no Brasil.
G20
Uma fonte da PF havia dito, na manhã desta terça, que dois dos militares presos nesta terça participavam da operação de segurança de autoridades do G20, no Rio de Janeiro.
Em nota, o Exército Brasileiro negou a informação e afirmou que os militares não participaram da reunião dos líderes mundiais.
‘Joca’ e ‘Jeca’
No plano, Lula era tratado pelo codinome “Jeca” e seu vice, Alckmin, era “Joca”. Havia, também, um plano de assassinar um “Juca”, mas a PF não identificou quem seria. Esse terceiro é descrito no documento como “iminência parda do 01 e das lideranças do futuro gov” e “sua neutralização desarticularia os planos da esquerda mais radical”.
“Tal fato é reforçado pelo tópico denominado ‘Danos colaterais possíveis e aceitáveis’, em que o documento descreve como passível ‘100%’ e aceitável também o percentual de ‘100%’. Ou seja, claramente, para os investigados, a morte não só do ministro [Moraes], mas, também, de toda a equipe de segurança e até mesmo dos militares envolvidos na ação era admissível para cumprimento da missão de ‘neutralizar’ o denominado ‘centro de gravidade’, que seria um fator de obstáculo à consumação do golpe”, disse a PF.
Para os investigados, “neutralizar” Lula “abalaria toda a chapa vencedora, colocando-a, dependendo da interpretação da Lei Eleitoral, e da manobra conduzida pelos 3 Poderes, sob a tutela principal do PSDB”. A morte de Alckmin extinguiria a chapa vencedora, mas, segundo os criminosos, não era esperada “grande comoção nacional” sobre ele.
Braga Netto
O plano de atentado foi discutido na casa do general Braga Netto, ex-candidato a vice-presidente na chapa com Jair Bolsonaro e ex-ministro da Defesa. A conversa aconteceu no dia 12 de novembro de 2022, pouco após a divulgação do resultado das eleições gerais daquele ano, em que Lula e Alckmin saíram vitoriosos e desbancaram Bolsonaro.
O encontro foi confirmado à Polícia pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, que se tornou colaborador da Justiça. O relato foi corroborado por materiais apreendidos com o general de brigada Mário Fernandes, da reserva, preso nesta terça.
De acordo com o inquérito, Braga Netto era “peça-chave” no plano do golpe de Estado. Ele seria, inclusive, o coordenador-geral de um hipotético “Gabinete Institucional de Gestão de Crise”, caso a ruptura ocorresse.
‘Copa 2022’
Os investigados na Operação Contragolpe tinham um grupo intitulado “Copa 2022” para discutir ações criminosas que visavam, principalmente, o ministro Alexandre de Moraes. Para ocultar suas identidades, eles usavam codinomes como “Gana”, “Japão”, “Argentina”, “Brasil”, “Áustria” e “Alemanha”. Moraes, por sua vez, era chamado de “Professora”.
A operação “Copa 2022” teria sido lançada por eles, segundo a PF, no dia em que o STF debatia a derrubada do orçamento secreto. A corporação suspeita, inclusive, que, considerando o teor das mensagens trocadas, “a ação desenvolvida tinha relação com a notícia do adiamento da votação” que estava ocorrendo na Corte.
Cronologicamente, as mensagens sobre a “Copa 2022” foram encontradas no celular do tenente-coronel Mauro Cid após os diálogos que indicaram que Bolsonaro teria feito alterações na minuta do golpe relacionado com a invasão à Praça dos Três Poderes, no ano passado. O documento foi encontrado em um armário na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres.
As investigações apontam que, seis dias após Bolsonaro analisar a minuta golpista, Cid e o coronel Marcelo Câmara, ex-assessor do ex-presidente, trocaram mensagens para indicar que estavam acompanhando a operação organizada pelo general Mário, para concretizar a captura e a execução de Moraes.
Também foram resgatadas mensagens entre Mauro Cid e o major Rafael Martins, que haviam compartilhado um documento protegido por senha, com o nome “Copa 2022”. No texto, haviam estimativas de gastos para subsidiar as ações que seriam executadas entre novembro e dezembro daquele ano, incluindo hotel, alimentação e “material”. Os custos eram estimados em R$ 100 mil.
DN