Mesmo com provas de desvio de verbas, morosidade da Justiça garante impunidade a gestores públicos
A procuradora da República Nilce Cunha diz que algumas ações contra gestores públicos aguardam há 12 anos por uma resposta da Justiça
FOTO: FABIANE DE PAULA
Apesar das inúmeras intervenções do Ministério Público (MP) para fiscalizar a atuação de gestores cearenses, sugerindo ações de improbidade administrativa para apurar irregularidades contra prefeituras e outros órgãos públicos, o trabalho dos promotores do Interior e da Capital ainda esbarra na morosidade da Justiça e na demora das condenações aos infringentes do patrimônio público. O cenário reforça certa impunidade aos crimes de colarinho branco, que até chegam a ser desvendados, mas raramente têm o desfecho que a sociedade espera.
O promotor de Justiça Eloilson Landim, integrante da Procuradoria de Justiça dos Crimes Contra a Administração Pública (Procap), diz que ainda há uma disritmia entre a tramitação das ações e uma resposta mais eficaz na Justiça. “Lamentavelmente a Justiça brasileira acoberta, resguarda, extrapola nas garantias da situação desses prefeitos que desviam recursos públicos”. E questiona: “Como você vai administrar um município se já demonstrou documentalmente que se apropria do dinheiro público?”.
Na última semana, o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual ingressaram com ação conjunta contra ex-prefeitos e ex-secretários de Quixadá devido a irregularidades na aplicação de R$ 330 mil direcionados a projeto de criação de tilápias, que não chegou a ser executado, mesmo com a liberação total dos recursos, através de convênio firmado com o Ministério da Pesca e Aquicultura. O ex-prefeito da cidade Ilário Marques, agora deputado federal, é um dos oito réus.
Do início de 2010 até 13 de maio deste ano, o Ministério Público Federal encaminhou 237 ações civis e criminais de improbidade administrativa contra gestores cearenses à Justiça Federal, após constatadas irregularidades na aplicação de recursos públicos. Até 13 de maio deste ano, haviam sido interpostas 40.
Em abril último, a ex-prefeita de Caucaia Inês Arruda, suplente de deputada estadual, foi condenada a devolver R$ 3,4 milhões aos cofres públicos por problemas na prestação de contas de convênio firmado para construir unidades de saúde no Município entre 2005 e 2008.
Atípico
De acordo com a procuradora da República Nilce Cunha Rodrigues, autora da ação de improbidade contra Inês Arruda, a condenação da ex-prefeita de Caucaia é um caso atípico, porque a sentença foi dada em dois anos e meio; a ação foi proposta em outubro de 2010. Ela explica que a tramitação na justiça ainda é morosa, exemplificando ações de sua autoria que aguardam há 12 anos por uma resposta da Justiça.
Só para se ter noção do longo caminho de recursos que os gestores dispõem, a deputada Inês Arruda solicitou embargos de declaração pedindo esclarecimentos do processo ao juiz da 2ª Vara Federal. Em caso de confirmação da sentença, ela ainda poderá recorrer ao 5º Tribunal Regional Federal, em Recife, ao Superior Tribunal de Justiça e, em última instância, ao Supremo Tribunal Federal. “É longo o caminho até chegar ao trânsito em julgado”, aponta a procuradora Nilce Cunha.
Para agilizar a tramitação desses processos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está incentivando mutirões nos tribunais para julgar ações de improbidade administrativa. “Porque elas se prolongam sem justificativa”, diz a procuradora da república. E completa: “Todos os prejuízos se encontram na demora excessiva da resposta do judiciário”.
Após o gestor deixar o cargo, o prazo é de cinco anos para que o Ministério Público proponha a ação de improbidade. “A decisão, além de condenar e obrigar que esses agentes devolvam o dinheiro que foi apropriado, tem o efeito pedagógico para os gestores que acham que não precisam prestar contas”, pontua a procuradora Nilce Cunha.
Investigação
Neste ano, a Procuradoria de Justiça dos Crimes Contra a Administração Pública, do Ministério Público Estadual, deu suporte de investigação para a proposição de ações em pelo menos cinco municípios cearenses: Uruoca, Quixeramobim, Jijoca de Jericoacoara, Itaiçaba e Potengi.
Além disso, outras administrações municipais também estão sendo alvo de ações do MP, através das promotorias das comarcas do Interior. Isso porque a Procap só responde pelos processos de gestores com foro privilegiado, ou seja, ações contra ex-prefeitos não são enviados pela Procuradoria.
Já no tocante às ações civis de improbidade administrativa, o Centro de Apoio Operacional da Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, do MP Estadual, contabiliza 1.579 ações contra gestores público cearenses, conforme disponibilizado em seu endereço eletrônico. A Procap fica responsável apenas pelas investigações na área criminal.
O promotor de Justiça Eloilson Landim explica que, em muitos desses casos, é pedida a prisão preventiva para que se possa agilizar a investigação, entretanto, devido à morosidade da Justiça e à grande quantidade de recursos, os gestores, muitas vezes, conseguem desvencilhar-se das condenações. “Infelizmente, neste país, os processos com bons advogados duram uma eternidade”, critica.
Irregularidades
Conforme esclarece, as irregularidades mais facilmente identificadas nas prefeituras cearenses são serviços de um modo geral (construção, recolhimento de lixo e assessorias), aquisição de mercadorias e locação de veículos. “O Ministério da Educação repassa recursos para transporte escolar, mas as crianças são transportadas sem nenhuma segurança”, aponta, explicando que muitos dos veículos adquiridos pelas prefeituras para esse fim não cumprem o papel que deveriam.
Mesmo com as ações interpostas pelo Ministério Público, há um limite na atuação do órgão, tendo em vista que o julgamento e a condenação dos réus não lhe cabem. “A limitação é jurídica, porque quem decide é o magistrado. Muitas vezes, o desembargador decide, mas o ministro, atendendo a liminar, manda soltar”, ressalta.
Beneficiados pelo foro privilegiado, prefeitos, governadores, deputados e senadores só podem ser julgados pelo Tribunal de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, explicar Eloilson Landim. “Isso foi um tiro no pé no Mensalão, porque um julgamento que era para durar 20 anos durou 8, e eles não têm mais recursos, só embargos infringentes e declaratórios”, justifica.
Para o promotor, a validação da Ficha Limpa facilitou o filtro do Ministério Público para os maus gestores, mas ainda tem efeito limitado. “Ainda não temos resultados em sua plenitude, porque eles (candidatos) conseguem liminares”, pontua.
LORENA ALVES
REPÓRTER