Demanda pelo órgão representa 78% de todos que, hoje, aguardam pelo procedimento no Estado. Maior incidência de doenças renais crônicas está relacionada aos altos índices de diabetes e hipertensão na população
À espera da vida. Manter-se em condições plenas de saúde e, em muitos casos, até sobreviver, são os principais desafios para cerca de 974 pessoas no Ceará. Não dispondo do tempo como o maior aliado, todas elas dependem de um transplante de órgão para subsistir. Desse total, o rim é o mais demandado atualmente, com 769 pacientes na fila de espera, segundo dados da Central de Transplantes do Ceará, atualizados no último dia 31 de maio.
A segunda maior demanda é para o transplante de fígado, com 150 pessoas na fila de espera no Estado, seguido do coração, com 19 pacientes no aguardo. Pâncreas/rim e medula óssea/alógeno ocupam igualmente a 3ª posição dos órgãos com mais pacientes à espera, 12 no total.
O bancário aposentado Marlon de Souza da Silva, 51, passa por essa expectativa pela segunda vez. Paciente renal crônico no Ceará, ele chegou a passar por um transplante de rim em 1995, mas após dez anos com o órgão, houve rejeição crônica, e a saída foi retornar para as sessões de hemodiálise. Há mais de sete anos, conta ele, ingressou novamente na fila estadual, onde aguarda desde então.
Apesar de considerar o tratamento de hoje moderno, menos agressivo e mais humanizado, o paciente fala dos impactos sociais e físicos de se conviver com uma doença renal. “Você não pode trabalhar porque em três dias da semana vai precisar fazer a diálise, com sessões que duram até quatro horas. É cansativo, barra pesada. Se você trabalhar, não vai render. A vida social fica comprometida. Também podem haver enjoos, queda ou aumento de pressão arterial, sede, câimbras. Quando se entra na hemodiálise, você já sabe que a saída não é a cura e sim o ganho de qualidade de vida. Mas isso só acontece mesmo após o transplante”, afirma Marlon.
Enfrentar as adversidades da condição enquanto espera, assim como manter a esperança em receber o novo rim, ainda segundo afirma o bancário aposentado, são resultados de muita força de vontade e do apoio que recebe da família e dos amigos, essenciais nesse processo. “É angustiante. Já fui chamado várias vezes, você se enche de esperança, mas só sabe se o transplante dará certo na hora. Essa angústia pode passar para a família também, então é preciso levantar a cabeça e continuar”, afirma o paciente.
Compatibilidade
Embora extenso, o número de pessoas na lista de espera por um rim representa cerca de 30% dos pacientes renais crônicos no Estado, segundo aponta a coordenadora da Central de Transplantes, Dra. Eliana Barbosa. Entre os fatores que contribuem para o número elevado, segundo explica, está a maior exigência de compatibilidade imunológica entre doador e receptor, determinada pelo antígeno HLA.
“Ele é um código genético pelo qual definimos a distribuição do rim. A gente determina o HLA do doador, e todos os receptores na fila têm o seu código decifrado, então o sistema puxa essa compatibilidade e quanto maior ela for, menor o índice de rejeição. Eu posso entrar hoje na fila e amanhã já ser beneficiada na frente de pacientes que já estavam na lista, porque meu código genético foi bem compatível com o doador”, explica.
De acordo com a especialista, a maior incidência de doenças renais é impulsionada pelo elevado número de diabetes e hipertensão intracraniana na população, doenças que mais afetam o funcionamento dos rins e, por consequência, levam à insuficiência renal crônica. A coordenadora da Central de Transplantes do Ceará ressalta, ainda, que a lista de espera para o transplante dos demais órgãos acaba sendo bem inferior em comparação ao rim pela ausência de terapias complementares.
“No caso do rim, nós temos a hemodiálise, então o paciente não vai morrer pela falta do transplante. É diferente do paciente que entra na fila para um transplante de fígado, pulmão e coração”, destaca.
Ceará
De janeiro a maio deste ano, foram realizados 605 transplantes de órgãos no Ceará, dos quais 116 foram de rins e um de pâncreas/rim. Em 2018, o número de procedimentos realizados foi, respectivamente, 220 e 4.
Conforme destaca a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) – com base no Registro Brasileiro de Transplante (RBT), divulgado pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) -, o Ceará foi o terceiro estado do País em relação a esse tipo de cirurgia por milhão da população, no período de janeiro a março de 2019. Se analisado somente os transplantes de rins, o Ceará é o sétimo no ranking nacional.
Ainda de acordo com a Secretaria, o Estado, anualmente, fica entre os que mais realizam transplantes de órgãos no País, contando com 62 hospitais notificantes entre públicos, privados e filantrópicos, cadastrados no Sistema Nacional de Transplantes.
DN