Peça-chave no escândalo de corrupção que derrubou o ex-presidente Fernando Collor, PC Farias e a namorada Suzana Marcolino foram encontrados mortos em uma casa no litoral de Alagoas
Após 25 anos e sem nenhum condenado pelo crime, a morte do empresário Paulo César Farias (PC Farias) – peça-chave no escândalo de corrupção que derrubou o ex-presidente Fernando Collor (hoje no Pros) – e de sua namorada, Suzana Marcolino, ainda levanta muitas dúvidas.
Na madrugada do dia 23 de junho de 1996, em Gaxuma, litoral norte de Maceió (AL), PC Farias e Suzana Marcolino foram encontrados mortos em uma casa de veraneio. Quatro anos antes, em 1992, o tesoureiro da campanha de Collor à Presidência foi identificado como articulador de esquema de desvio de dinheiro público para contas no exterior.
PC Farias esteve preso seis meses antes de sua morte. O empresário teve a prisão decretada pela Justiça em junho de 1993 e permaneceu foragido por 152 dias. PC foi posto em liberdade condicional após cumprir dois dos sete anos a que havia sido condenado em regime fechado.
Logo após o anúncio da morte do empresário, a suspeita de queima de arquivo tornou-se quase inevitável. As investigações, no entanto, apontavam para um crime passional. Um primeiro inquérito concluiu que Suzana atirou contra PC e depois tirou a própria vida após uma crise de ciúmes.
Além de PC e da namorada, estavam no local quatro seguranças (levados a júri popular em 2013 e absolvidos). O então deputado federal Augusto Farias (PPB-AL), irmão do empresário, e a namorada Milena também passaram a noite com o casal, mas foram embora antes do momento do crime.
Augusto Farias chegou a ser indiciado em um novo inquérito, aberto em 1999, como co-autor do crime. As investigações apontavam que os irmãos tinham vários desentendimentos por questões financeiras; além disso, dois meses após o crime, a Polícia Científica de Alagoas apontou indícios de que houve luta corporal na sala da casa. Pouco tempo depois, porém, a Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou um parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) alegando que não havia provas nos autos contra o parlamentar, e Augusto Farias não foi processado.
As investigações iniciais foram guiadas por um laudo pericial feito por um grupo de 11 peritos, liderado pelo legista Badan Palhares, da Universidade Estadual de Campinas. A conclusão foi de que Suzana matou PC, que estava dormindo, e, em seguida, cometeu suicídio.
Em depoimento à polícia, os seguranças disseram ter ouvido o casal discutindo no quarto logo depois do jantar. Eles disseram ainda não escutaram os tiros no momento do disparo porque naquela noite se celebravam os festejos juninos e havia muitos fogos.
As suspeitas ficaram ainda mais consistentes com a descoberta de que o revólver encontrado junto aos corpos tinha sido comprado por Suzana, com um cheque assinado por ela, uma semana antes do crime. Um exame comprovou ainda a existência de pólvora nas mãos da jovem.
Dúvidas sobre o caso, no entanto, não pararam de surgir. Novas perícias técnicas desmontaram a investigação inicial da Polícia Civil de Alagoas e afastaram a hipótese de suicídio, após concluírem inclusive que Suzana havia sido esganada antes do assassinato. Com isso, as investigações foram anuladas e outro inquérito foi aberto.
O legista George Sanguinetti, professor de Medicina Legal da Universidade Federal de Alagoas, foi o primeiro a discordar da versão inicial dada sobre a morte. Tomando por base a localização do ferimento, a posição do corpo de PC, a estatura de Suzana e o ângulo do disparo, ele concluiu que “a única forma de ela ter apertado o gatilho era se estivesse levitando”.
Na ocasião, foi necessária uma nova perícia que confirmou a presença de pólvora nas mãos de Suzana, mas em pequena quantidade. “Não se encontraram resíduos de chumbo, bário e antimônio, elementos metálicos que integram as substâncias químicas iniciadoras da espoleta”, afirmou o promotor Luiz Vasconcelos.
Mas esse não foi o único detalhe a divergir entre os laudos periciais. Outra discussão importante foi em torno da altura de Suzana. Conforme o primeiro laudo, sua estatura era 1,67 m. Mas de acordo com um novo documento, elaborado pela segunda equipe, de Sanguinetti, ela teria 10 centímetros a menos.
Com a descoberta os legistas concluíram que se Suzana estava sentada na cama, como indicava a primeira reconstituição, o tiro não alcançaria o seu corpo. Teria passado, na verdade, à altura de sua cabeça, e não atingido o pulmão esquerdo, como aconteceu. As dúvidas lançadas sobre a trajetória da bala, no entanto, não foram suficientes para desarquivar o caso.
Algum tempo depois, o debate sobre a real altura da jovem foi esquentado com uma série de reportagens da Folha de S.Paulo que mostravam que Suzana media em torno de 1,53 m a 1,57 m. Com a publicação, em 1999, o caso foi reaberto.
Em junho do mesmo ano, os quatro seguranças de PC Farias foram indiciados como co-autores do crime e tiveram a prisão decretada pela Justiça de Alagoas. Ainda no mesmo mês, eles foram liberados por meio de liminar.
Porém, o caso foi encerrado pelo STF em 2002, após Augusto Farias também se tornar alvo do novo inquérito, apontado como co-autor, tendo sido indiciado em novembro de 1999. A Corte, por sua vez, acolheu recomendação da PGR que pedia pelo arquivamento do caso, aceitando a tese de homicídio seguido de suicídio. Com isso, apenas os quatro seguranças foram a júri popular em Maceió.
Em 2013, os jurados concluíram que o casal foi assassinado, mas absolveram os homens que faziam a segurança. O escândalo mais recente sobre o caso envolve denúncia de ameaça a um familiar de uma das juradas. O Ministério Público pediu pela anulação do júri, mas o Tribunal de Justiça de Alagoas negou o recurso. O caso foi concluído em abril de 2019, com a sentença de absolvição da Justiça de Alagoas.
O povo