No Ceará, mais de 320 candidatos adotam títulos religiosos na urna

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Levantamento identificou que mais de 96% destes candidatos tentam vagas nas câmaras municipais cearenses; “irmão” ou “irmã” são os títulos mais comuns. Fenômeno é reflexo da conjuntura nacional, apontam pesquisadores

Estas eleições municipais, ao menos 329 candidatos optaram por utilizar títulos religioso nos nomes que serão apresentados nas urnas do Ceará em novembro. Destes, 96% estão concorrendo a uma cadeira nas câmara municipais. Logo depois, aparecem candidatos a vice-prefeito e, por último, aqueles que concorrem ao cargo de prefeito.

Para pesquisadores, o número de candidaturas ligadas a denominações religiosas no Estado pode ser explicado pelo crescimento de evangélicos no País, além de ser influenciado pela conjuntura nacional, com a adesão de parte do eleitorado a movimentos conservadores.

Os dados fazem parte de um levantamento realizado pelo Sistema Verdes Mares com base nos registros de candidaturas disponíveis no Divulgacand, base de dados de candidaturas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Entre os títulos, os mais utilizados estão “Irmão” ou “Irmã”, com 68,7% dos postulantes – o que representa 226 candidatos. Na sequência, vêm “Pastor” ou “Pastora”, com 23,4% – equivalente a 77 candidaturas. A reportagem também identificou a utilização de nomes como “Padre”, “Missionário”, “Apóstolo”, “Bispo” e “Frei” pelos candidatos, mas em percentuais menores.

Dentre os municípios cearenses, Fortaleza registra a maior quantidade de candidatos identificados por títulos religiosos: são 30 nomes que tentam ser reconhecidos pelo eleitorado a partir da ligação com alguma denominação religiosa. No levantamento, a capital é seguida por Maranguape (21), Caucaia (19), Maracanaú (16), Paraipaba (13) e São Gonçalo do Amarante (8).

Fenômeno

A associação de candidaturas a religiões não é uma novidade no Brasil, mas tem estado em evidência. Segundo pesquisadores, o fenômeno pode ser explicado por um movimento de mudança do pertencimento religioso entre os eleitores que vem ocorrendo no Brasil, tendo como uma das consequências o aumento do número de evangélicos.

Estudo realizado pelo demógrafo e professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, José Eustáquio Alves, divulgada em fevereiro deste ano, mostra que o número de brasileiros adeptos da religião evangélica no País cresce em média 0,8% ao ano desde 2010, enquanto a quantidade de católicos tem caído, em média, 1,2% no mesmo período.

Além disso, a conjuntura política nacional influencia esse fenômeno. “O Estado passa a ser disputado por esses agentes da religião que pretendem imprimir a sua visão de mundo e os seus projetos”, argumenta o professor de Antropologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador do Grupo de Pesquisa em Antropologia e Imagem, George Paulino.

Existe ainda um outro elemento que contribui para o crescimento no número de candidatos que usam títulos religiosos nas urnas. O cientista político Emanuel Freitas, professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), explica que existe no “imaginário brasileiro” uma associação entre a religião e a honestidade, o que pode influenciar no voto da população. Ele acrescenta ainda que se as eleições forem pautadas em torno de uma “agenda moral”, esses candidatos ganham vantagem em relação a outros postulantes.

A adesão a movimentos conservadores é outro ponto que favorece candidaturas ligadas à pautas do segmento, que tem em lideranças religiosas expoentes relevantes. “Há um alinhamento nesse sentido de ocupar (cargos eletivos) nas esferas locais”, destaca George Paulino. O professor pondera, no entanto, que existe a possibilidade de candidatos com pautas mais progressistas ou ligados a partidos de esquerda também se apresentarem com títulos religiosos.

Legislativo

Nesse contexto, para Emanuel Freitas, as câmaras municipais se tornam um ambiente estratégico para as instituições religiosas, o que se reflete na porcentagem de postulantes ao cargo de vereador, que representam quase a totalidade dentre os que destacam, nas urnas, ligação com igrejas. São oito concorrendo ao cargo de vice-prefeito e cinco ao de prefeito, enquanto outros 316 disputam cadeiras nos legislativos municipais.

“A disputa do Executivo envolve tomadas de decisão e questões outras que extrapolam a religião. Em uma disputa para prefeito, isso é mais complicado para esses grupos, e é uma aposta mais alta”, observa o cientista político. Por isso, a opção mais frequente é por lançar candidaturas competitivas aos parlamentos para defender pautas relacionadas às igrejas.

“É mais interessante terem legisladores apresentando projetos de lei que contemplem os interesses da igreja e, ao mesmo tempo, freiem projetos que ferem esses interesses”, ressalta Emanuel Freitas. Por conta disso, afirma ele, há investimentos cada vez maiores de lideranças religiosas em candidaturas em busca de representação política.

Interesse

“O investimento dos religiosos tem sido cada vez mais nos parlamentos porque é de lá que se originam os projetos de lei. Então, é importante elaborar projetos, como eles costumam dizer, que defendam a fé cristã. Também é no parlamento que se pode barrar iniciativas dos prefeitos que, na interpretação dos religiosos, podem vir a ferir a fé”.

“Há uma organização de igrejas, de lideranças religiosas, para ocupar esses espaços da política partidária e influenciar o processo de legislação a favor de suas pautas, de seus interesses”, concorda George Paulino.

Contudo, analisa o pesquisador, podem haver impactos negativos do crescimento da presença dessas lideranças na política. O principal, aponta Paulino, é quando princípios de uma religião se sobrepõem a debates mais amplos.

“Há uma influência negativa em relação à democracia e aos processos sociais, porque passa a se desconsiderar a Constituição como princípio legal e os fundamentos religiosos é que passam a orientar a discussão de determinadas pautas”, ressalta.

Diário do Nordeste

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