Médicos avaliam que diagnóstico tardio é um dos principais fatores por trás do aumento de fatalidades. Outro ponto de alerta é a ocorrência cada vez mais frequente da doença em mulheres abaixo dos 40 anos de idade
O calendário anual de saúde coloca o Outubro Rosa como mês de conscientização sobre o câncer de mama. Mesmo com todo esse aparato, a mortalidade pela doença vem crescendo no Ceará. Conforme dados compilados pelo Ministério da Saúde, 684 mulheres faleceram por conta da doença, em todo o Estado, em 2017. Já em 2018, foram 734 e, no balanço preliminar do ano passado, 772. Segundo as informações de 2019, Fortaleza teve o maior número de óbitos: 284, seguida por Caucaia, com 38 e Juazeiro do Norte, com 29. A Pasta ainda não disponibilizou dados de 2020.
A auxiliar administrativa Luana Maria, 32 anos, reconhece que poderia nem estar viva. Era uma quarta-feira, 13 de novembro de 2019, quando ela descobriu o câncer na mama direita já tardiamente, depois de perceber um escorrimento de sangue enquanto amamentava o filho José. Ela já havia notado um nódulo nos meses finais da gravidez, mas foi informada de que não havia necessidade de preocupação. Dois meses depois, contudo, o tumor havia triplicado de tamanho.”Eu confesso que não fazia o exame de toque, e o meu câncer já estava no nível 4, o último. Foi uma surpresa porque achei que só acontecia com mulheres acima de 40 anos”, revela a sobralense.Hoje, depois de 16 quimioterapias, 15 radioterapias e a remoção da mama, em plena pandemia, Luana venceu a doença e utiliza as redes sociais para conscientizar outras mulheres. “Sequelas ficam, mas consegui me sair tranquila. Sempre falo que a vida está nas mãos da gente”, reforça.
Outro alerta é de uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Mastologia, em parceria com o Grupo de Educação e Estudos Oncológicos do Ceará (Geeon). As instituições investigaram as taxas referentes à doença na Capital e no Interior, entre os anos de 2009 e 2018, e notaram que, além da mortalidade, as estimativas de novos diagnósticos de câncer de mama também aumentaram em Fortaleza: os números saltaram de 1.540 em 2009 para 2.220 ocorrências quase uma década depois, em 2018, o que representa um crescimento de 40%.
Médicos especialistas apontam que o isolamento social decorrente da pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2) impactou o diagnóstico precoce da doença. Ainda segundo o Ministério da Saúde, o número de mamografias realizadas no Estado do Ceará caiu 44% de janeiro a agosto de 2020, em comparação a igual período de 2019. O decréscimo foi de 58.085 para 32.351 testes entre os intervalos.
O mastologista Fernando Melo, presidente da Regional Ceará da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), explica que a mortalidade da doença está relacionada ao momento do diagnóstico. Quanto mais tardia a percepção do tumor, menor é a chance de recuperação. Por isso a redução preocupa. “Ela é essencial para diagnosticar o câncer de mama, mesmo em mulheres assintomáticas. A recomendação é que o exame seja feito a partir dos 50 anos. Mas, aqui no Brasil, percebemos um aumento nas pessoas mais jovens. Com isso, a Sociedade de Mastologia recomenda fazer o rastreio bem antes, a partir dos 40 anos de idade”, alerta.
Processo
Na visão do mastologista, também existe uma motivação cultural para a redução, mesmo com os esforços de rastreamento dos órgãos de saúde – cuja meta é de 70% de cobertura da população. “Existe uma ideia, principalmente no interior do Estado, de demorar a procurar atendimento médico. Quando você adia o tratamento e é diagnosticada em fase avançada, o resultado é pior. Quanto mais precoce o diagnóstico, maiores são as chances de salvar a mama”, garante o médico.
Segundo os dados da SBM, a maioria das pacientes já chega aos consultórios no Estado em estágio avançado da doença, o que contribui diretamente para o aumento da mortalidade. Em 2009, por exemplo, 66% das cearenses eram diagnosticadas com tumores acima de dois centímetros. Já em 2018, esse percentual aumentou para 78%.
Luiz Porto, coordenador do Comitê de Controle do Câncer do Ceará, reitera que a letalidade no Estado está “associada ao estadiamento dos casos novos”. Segundo ele, a maioria das pacientes é diagnosticada com doenças avançadas (estágios III e IV), com sobrevida de até 27% em cinco anos. Ele aponta que a realização de mamografias foi o serviço mais impactado pela pandemia, embora consultas de suspeitas clínicas não tenham sido paralisadas.
Neste contexto de demora, na análise de Fernando Melo, a pandemia trouxe um agravante para o acompanhamento do câncer de mama no Estado. “Quando falamos de câncer de mama, tempo é importante. Tenho alguns casos de pacientes que perderam três ou quatro meses de diagnóstico por conta do isolamento social. É muito ruim a situação, mas foi um problema mundial. Afetou o emocional de muita gente. Na minha visão, 2020 pode ter sido o ano do diagnóstico mais tardio”, pondera o médico.
Reagendamento
A costureira Rosineide do Nascimento, 44, não quis esperar até o fim do isolamento social para recorrer a um especialista. Em junho, ela encontrou um caroço no seio esquerdo, “bem pertinho da axila”. “Me bateu a vontade de fazer o toque. Estava assistindo TV e senti um carocinho, como quem não quer nada”, recorda. “Eu vejo hoje que as pessoas só procuram por saúde quando não tem mais jeito”, justifica.
Foi em uma consulta durante a quarentena que a costureira, moradora do município de Maranguape, foi encaminhada para uma biópsia do material encontrado no seio. A preocupação com a saúde esteve entre os motivos para ter procurado atendimento durante o isolamento.”Não fiquei com medo de ir pro hospital porque o governador já tinha liberado muitas coisas. Sou mãe, preciso me cuidar. Meus filhos dependem de mim, se eu morrer quem vai ficar com eles?”, avalia.
A investigação permanece em análise, indica Rosineide, e ela aguarda o retorno de um exame para saber os próximos passos. “Não sei o que está no laudo e estou aguardando o médico me dizer o que vem a seguir. Não estou desesperada, não estou com medo. Confio que vai dar tudo certo”, confessa.
Luiz Porto, do Comitê do Câncer do Ceará, lembra que os serviços de atendimento primário tiveram acolhimento “comprometido”, mas os serviços especializados se adaptaram às recomendações sanitárias e “continuaram atendendo, embora pacientes em seguimento estável tenham sido reagendadas para datas posteriores, tudo segundo avaliação individual de cada caso”. A fila de espera é organizada pela Central de Regulação.
Diário do Nordeste