Repasses federais ao Ceará foram menores que a estados menos afetados

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Estudo mostra que repasses da União não compensaram proporcionalmente as perdas dos Estados durante a pandemia. Por outro lado, Fortaleza foi a capital no Nordeste que mais recebeu transferências federais no período

A pandemia trouxe efeitos diretos e claros na arrecadação de estados e municípios. Para dar suporte aos entes federativos, a União enviou um pacote financeiro de suporte, mas uma pesquisa revelou que o Ceará foi terceiro do Nordeste no volume das transferências, atrás de Bahia e Pernambuco, e recebeu, proporcionalmente, valores menores que outros estados menos afetados pela pandemia ou com situações fiscais piores. 

As conclusões são parte de um trabalho do grupo de pesquisa em orçamento da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP), com base nos Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária para o 1º semestre de 2019 e de 2020. Os dados foram atualizados pela inflação do período.

Tanto a Bahia quanto Pernambuco não tiveram perdas tão diferentes em relação ao Ceará considerando o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) somados. Ainda assim, ambos estados tiveram repasses maiores da União durante o primeiro semestre do ano, marcado pela disseminação do novo coronavírus no País.

Entre os estados da região, apenas o Ceará não conseguiu compensação federal suficiente para reparar as perdas do período – situação compartilhada por outros sete estados, segundo o estudo.

A relação entre os repasses e o impacto da pandemia também é ressaltado pelo estudo. Analisando o dado de mortes por 100 mil habitantes, o Ceará mostra ter sido mais impactado pela crise de saúde, superando tanto Bahia quanto Pernambuco nesse quesito. 

A pesquisa ainda revela que os estados tiveram uma queda global na arrecadação do ICMS, no primeiro semestre de 2020, de 6%. Mas os cenários variam para cada estado, com Ceará tendo indicado uma queda de 11,9% e o Mato Grosso do Sul registrando ganhos de 10,7% no período. Considerando a arrecadação dos principais tributos – somando o ICMS ao IPVA –, três estados tiveram alta de arrecadação no intervalo pesquisado: Mato Grosso, Pará e Mato Grosso do Sul. 

Apesar dessa evolução da arrecadação, o Pará ainda ficou com o nono maior volume de transferências da União. Mato Grosso aparece na segunda colocação, e Mato Grosso do Sul em 26º. Os pesquisadores concluem que a distribuição de recursos não teve ligação com as necessidades desses locais para enfrentar a pandemia, quando se considera a relação entre transferências e locais com maior número de mortes por habitante, e parte do dinheiro foi usada para pagar servidores, aposentadorias e despesas da máquina.

Outro fator apontado pelo estudo como ponto de desbalanceamento é a suspensão dos serviços da dívida, que favoreceram ainda mais alguns estados, como São Paulo e Goiás, por exemplo. Concentrando o benefício, São Paulo teve ganhos diretos de R$ 4,77 bilhões, enquanto que R$ 1,14 foi direcionado para Goiás. A redução do serviço da dívida também favoreceu as capitais São Paulo, acumulando 69% do benefício, e Rio de Janeiro, que ficou com 24%. 

Previsões

A vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Silvana Parente, pondera que o socorro fiscal aos estados foi aprovado em maio e que a compensação foi estabelecida com base em previsões. “No entanto, decorrido esse tempo, foi constatada a real queda de arrecadação ou até mesmo ganho, caso do Mato Grosso do Sul. No Ceará, a perda foi uma das maiores porque a pandemia chegou mais cedo ao Estado em relação aos demais, então a compensação não foi suficiente”, diz. 

Ela avalia que a desproporção não foi intencional, mas reforça que os dados são preocupantes. “Se tivessem utilizado o critério de intensidade de Covid-19, talvez o Ceará tivesse recebido compensação maior. A gente espera que o Estado, que tem um bom histórico de equilíbrio fiscal, possa conseguir se recuperar aos poucos”, arremata a presidente do Corecon-CE.

Para o economista Alex Araújo, além do prejuízo na arrecadação, a questão política pode ter sido ponto fundamento na definição dos critérios utilizados pela União para repassar os recursos de suporte durante a pandemia. Ele comentou que o Governo Federal pode ter considerado dar um suporte maior aos grandes centros pensado na quantidade da população. Contudo, isso pode ter gerado esses desequilíbrios apontados pela pesquisa da USP. 

“O Governo pode ter pensado mais nessa questão política. Mas claro que prejudica, pois o Ceará deixou de receber uma parte maior dos benefícios por estar em uma situação fiscal um pouco melhor antes da pandemia”, comentou Araújo. 

Fortaleza 

Ele ainda comentou que no cenário municipal, Fortaleza não foi tão prejudicada pela pandemia por conta das fontes de recursos. Como a Capital vem contando com investimentos de fontes externas, não houve uma mudança tão brusca no cenário de investimentos. O economista, contudo, ressalta que é possível notar o redirecionamento de prioridades da Prefeitura para buscar mais investimentos na área da saúde, por exemplo. 

Sobre o cenário municipal, a pesquisa aponta que Fortaleza foi a capital da região Nordeste que recebeu o maior volume de transferências federais, além de ficar com a quarta colocação no País. Fortaleza ficou atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. 

Contudo, a análise revela que Fortaleza apresentou o segundo maior índice de mortes por 100 mil habitantes, ficando atrás apenas de Belém. 

Mas a discussão apontada pelo estudo da USP é que, enquanto as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro tiveram perdas muito maiores que Fortaleza, Belo Horizonte, que ficou com o terceiro maior repasse, apresentou um acréscimo da arrecadação.

DN

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