Com açude Colina perto de secar totalmente, água retirada de lá e distribuída para os moradores do município tem odor ruim e coloração amarelada. Muitos compram água retirada de fonte no Piauí
O pipão chegou. A notícia correu entre os que têm moradia perto do açude Colina, reservatório que abastece Quiterianópolis. Pouco depois foram se aprochegando os baldes, os galões, as vasilhas, os potes de toda sorte e tamanhos. A fila vai se formando, não sem grande estardalhaço e reclamações, dentro de uma lavanderia desativada. É de lá que um ladrão deixa escapar água da caixa para encher os recipientes. Enquanto isso, a Iara, 12, escreve o próprio nome na parede com pincel de esmalte; o Emerson, 10, corre entre os baldes para ser fotografado. Tem menino de várias idades.
Pelo menos desde o ano passado, a chegada da água virou evento de felicidade e disputa na cidade que dista 410 km de Fortaleza. A zona urbana do município é uma das sete incluídas na Operação Carro-Pipa, porque, com apenas 6,48% de seu volume original, o Colina arqueja: o líquido que sai das torneiras, puxado daí, tratado e distribuído pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), cheira mal e tem coloração amarelada. Dentro do reservatório, cuja margem é apinhada de lama, a água é verde. A cobrança para o mês de dezembro foi, inclusive, suspensa em função do problema.
“A verdade é que essa água não serve para nada”, pontua a comerciante Antônia Gonçalves de Carvalho, que tem uma lojinha de material de construção no centro da cidade e me recebeu entre uma venda e outra. Gustavo, o filho dela, mostrou a qualidade da água num banheiro nos fundos do estabelecimento. “Eu tenho nojo de lavar minhas mãos nessa água. Não vou nem mentir”, afirma a aposentada Luzia Costa Maia na sala de casa. O marido, Manuel, afasta o mosquiteiro da rede e senta para conversar. “Me humilhei muito para ter água do pipão na minha cisterna”, diz dona Luzia. E Antônia, lá na loja, resume: “A demanda é grande. O carro-pipa não é suficiente para todo mundo”.
Na lavanderia, a auxiliar de serviços gerais Eva Gonçalves bem sabe disso. “Os espertos pegam mais rápido”, explica, enquanto, com perícia, corre até em casa com um balde cheio da água que irá usar para cozinhar e beber. Quando não tem da pipa, o jeito é se abastecer de uma cacimba, bem pequena, que não fica longe. Mas a água não é melhor que a do Colina. Os caminhões da Operação enchem-se em Novo Oriente, a cerca de 45 km, no açude Flor do Campo – que também está vendo sua água sumir pouco a pouco; seu volume é apenas 24,01% do que já foi.
De óculos escuros e boné, o agricultor Francisco José do Nascimento se aproximou para ver as mulheres enchendo os galões d’água. Estava tranquilo. Comprou “água de primeira” vindo do Piauí. Mais especificamente de Assunção. Coisa de 60 km de Quiterianópolis. É o que tem feito muita gente. Dona Antônia e dona Luzia também compraram. Para 2.500 litros, a carrada sai a R$ 125. No último dia 9 de janeiro, seu Franzé pagou R$ 30 em baldes cheios. “Na minha casa acaba logo. São muitas pessoas”, conta. Ele foi um dos primeiros moradores da região. Trabalhou na barragem do Colina. “E nunca secou desse jeito. Posso dizer, porque vivo aqui há muito tempo”, destaca.
Ele tentou colocar um motorzinho, extraindo diretamente do açude para irrigar a plantação, mas não deu certo. Muita lama, pouca água. “O Colina só aguenta até o fim de janeiro. Depois acabou”, vaticina. “Em agosto, nós fomos tomar banho no Flor do Campo e já estava rasinho. Se não chover este ano, Novo Oriente também seca. Não dá para abastecer as duas cidades”, analisa dona Antônia.
O coordenador técnico da Cagece na região, Dalmo Barreto, diz que foram construídos, nos últimos três meses, dois tonéis de concreto para tentar intensificar o tratamento de água da cidade. Ele admite que a água trazida do Flor do Campo não é suficiente para abastecer todas as famílias que moram no perímetro urbano. Além disso, Barreto não foge às previsões desanimadoras por considerar que a cidade sofre não apenas com a estação chuvosa ruim de 2012, mas também nos dois anos anteriores.
“O açude aguenta até fevereiro ou março. Esperamos que chova nos próximos meses”, avalia. Segundo o coordenador, a solução a curto prazo é reforçar a demanda de carros-pipa. Depois, perfuração de poços e a construção de uma adutora, trazendo água de Novo Oriente, mas que deve demorar cerca de dois anos para ser terminada. Até lá, se não chover, é a confusão para encher baldes.
fonte: http://www.opovo.com.br